Lá estava ela. Criança que fora, mulher que acabara de receber a licença de morte. Lá estava ela, sentada de joelhos encostados à cara, a chorar pela vida. Ela não compreendia como é que tudo poderia acabar em menos de trinta segundos, enquanto aquela horrível noticia saia da boca do homem de bata branca e roupa azul. Não compreendia porque toda a sua vida andava para trás naquele momento. Não tinha amigos, ninguém a amava, não tinha ninguém que lhe desse um abraço. E tudo isso era por sua culpa. Ela dera um passo em falso na sua caminhada para atingir o seu sonho e agora estava na triste caminhada da solidão até à morte. Como pode estar o Ser Humano no topo da cadeia alimentar? Como pode o Ser Humano ser considerado a criatura mais inteligente que existe no planeta? Se ele usa todas as capacidades maravilhosas que tem para o mal e não para o bem. Ele mata, ele humilha, ele ama e destrói esse amor. Ela nunca fora capaz de amar alguém, por isso não é amada. Sempre sonhou com a felicidade dela e dos outros, mas se os outros e ela não passam de um Ser Humano de que vale continuar a sonhar? Ser Humano é isso mesmo: nascer, crescer, fingir que se ama, dar à luz, matar e morrer. Do que vale ter sentimentos por alguém se ao mínimo passo em falso morre o sentimento dando espaço à solidão e à maldade. Agora? Agora está a chorar porque aquele homem de bata branca não passa de um Ser Humano que acabou de matar os seus sonhos porque sim, a sua vida iria ter um fim precoce.
Agora ao relembrar a sua vidam, chegara à conclusão que há muito perdera o brilho que tinha, porque afinal há muito que lhe tinham destruído a vontade de viver. O bicho que trazia agora, como sua companhia, alojado no seu cérebro não passava da arma carregada de balas que nunca teve coragem de segurar junto à cabeça para depois puxar o gatilho e terminar com a sua vida. O bicho era o seu novo amigo, aquele sítio cheio de camas com pessoas que traziam bichos nos seus corpos era a sua nova casa até dar o último suspiro.
Aquela rapariga que há bem pouco tempo sorria como se não houvesse amanhã morreu. Morreu no dia em que foi um Ser Humano e errou, ela morreu e não voltará a existir. Ela estava feliz porque o bicho lhe fará companhia até ao último dia. A morte da sua alma foi causada pela solidão que enfrentara e agora a causa da sua morte física seria o bicho que decidira morar na sua cabeça. Depois de deitada sozinha naquela cama, ligada a estranhos tubos que lhe mandavam líquidos para dentro do seu moribundo corpo, pensa no perdão que pediu milhares de vezes e que nunca lhe deram. Pensa no ódio que sentiu injustamente, pensa nos erros que cometeu, e nos Seres Humanos que fizeram parte da sua caminhada e que sempre foi deixando para trás porque não era capaz de preservá-los.
Uma forte dor de cabeça afasta o seu pensamento do passado e encaminha-o para o bicho. Bicho, este, que o homem de bata branca chama de câncro. A sua morte. O seu brilho perdido.
Sara António
PS: todo o conteúdo deste texto é totalmente fictício.